A Avó Madalena

Avó

A Avó Madalena

Não sei se sabes. Não estou certa de que saibas de que cor ficou a casa no dia em que foste embora. De que cor ficaram as ruas e as copas das árvores.

Não, não sei se sabes, se poderás imaginar o vazio do mundo e do tempo depois de teres partido.

Não houve tempo para despedidas e às vezes fico agradecida por isso. Não havia nada que te pudesse dizer em forma de despedida. Não haveria tempo suficiente, mesmo que tivesse havido algum.

As recordações, todos os sorrisos que fui guardando nas gavetas da memória. O cheiro das tuas mãos ásperas. Limão.

Às vezes gostava de me lembrar de mais coisas, de ser capaz de precisar os momentos. Outras vezes respiro o mais fundo que consigo e esforço-me por te afastar dos meus pensamentos.

Foi num tempo que já lá vai há muito tempo.

Foi num instante que nunca vou conseguir substituir por mais nenhum sorriso. Não daqueles, não dos nossos.

Um instante cheio de lágrimas, esmurradelas, birras para comer, sorrisos. Bolos de erva-doce, pastéis de bacalhau.

Foi um instante de tanques de roupa, de alguidares de couves, de erva apanhada e de canteiros de flores brancas de que não me lembro o nome.

Outras vezes, outras vezes respiro o mais fundo que consigo e esforço-me por te afastar dos meus pensamentos.

Não consigo contar-nos. Não consigo passar para nenhum papel a nossa história. Porque é nossa. Porque continuo a pensar nas vezes que olhei para a janela e que pus um prato a mais na mesa.

Limão. Erva para os coelhos, sacos de serrim. Salsa. Flores roxas a caírem em cima da nossa cabeça e nas brechas do cimento do pátio. Muros com musgo verde e batas de trazer por casa.

Roupa para passar, sacos plásticos dobrados a ouvir o terço e frases de jogos que nunca chegámos a ganhar.

Listas de compras, casas de botões, alinhavos, pastéis de carne.

Retângulos de giz e réguas de madeira, termos de café e sandes de queijo e marmelada. Limão.

Tantos bocados de ti espalhados na vida de tanta gente. Entranhados em mim e nas paredes da minha vida.

Tantas vezes tu. Tão tu.

Tanto.

Outras vezes, outras vezes respiro o mais fundo que consigo e esforço-me por te afastar dos meus pensamentos.

Não, não sei se sabes, se poderás imaginar o vazio do mundo depois de ti.

Carne assada, xixi, cama.

Não sei se algum dia vais perceber a falta que me fazes.

Mas fica descansada, tive-te sempre por perto mas o vazio era tão grande que arranjei maneira de te trazer outra vez para ao pé de mim.

Sim, carne assada, xixi e cama.

E estás aqui outra vez, onde afinal nunca deixaste de estar.

Autora: Cristina Gameiro

Living Place – Animação Turística

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