O Avô Zé
Bom. À tua beira.
Desde que me lembro. E sou unha e carne com a memória.
As sirenes tocaram vezes sem conta e corrias sempre.
Tu e o teu coração também. Aquele que levavas sempre contigo para todo o lado. Enorme. Aquele onde cabia tanta coisa bonita e tanta gente de todos os tamanhos.
Um sorriso quase a escapar. Um estalar de boca. Um silêncio que nunca fazia doer.
Bom. À tua beira.
Lembro-me das bolinhas de metal pequenas que brincavam dentro das garrafas vazias e que as faziam brilhar e das histórias todas que contavas com vagar.
Gostava de lavar os pimentos contigo e de os guardar no frasco com vinagre. Gostava de montar estantes de metal e arrumar vezes sem conta a garagem.
Lembro-me de todas as pevides que comemos no jardim e de todas as vezes que tive medo de não estar à tua altura.
Tenho saudades tuas. De adormecer na tua barriga e de sentir que ali estava em casa.
Bom. À tua beira.
Lembro-me de todas as vezes que ficávamos calados. De todos os top’s de música que soubemos de cor e de todas as vezes que fomos aqui e ali buscar isto ou aquilo.
Sempre achei que eras tu. Que tu eras ele. Aquele que devia estar ali.
E tu sempre estiveste.
Lembro-me. Outras vezes não quero. Tento afastar-te daqui. Dos dias sem ti.
Tento não pensar em tudo aquilo que não te deixei ensinar-me. Tu que tinhas o tal do sétimo ano e que sabias sempre mais de tudo do que eu.
Lembro-me de passear contigo no paredão porque nada te fazia pôr os pés na areia da praia.
Sinto a tua falta. Todos os dias e ainda mais quando como ovos cozidos e não estás ali para comer o amarelo.
Nunca mais tive um furo desde que te foste embora. Tenho medo do buraco que se vai abrir em mim quando perceber que não me vais atender o telefone nessa altura.
Tenho saudades do teu sorriso no dia em que me viste com aquela farda pela primeira vez. Tenho saudades nossas e tudo o que me contavas a caminho da fontes onde íamos buscar água.
Lembro-me do ramo de flores no dia em que foste à minha festa e de todos os sorrisos que soltámos nesse dia. E nem me importo de não me teres levado ao baile.
Também já me esqueci do dia que me custou uma queda e quatro pontos no queixo por teres ido embora sem me dizeres adeus.
Não sei se te disse as vezes suficientes que era bom à tua beira. Não sei sequer se te disse.
Gostei que tivesses visto aquela primavera depois de tanto inverno. Gostei de a ter dividido contigo naquele barco e naquela viagem.
Gostei de ti desde o primeiro dia em que me viste.
Nunca vou ser capaz de contar tão bem como tu nenhum episódio com cães-polícia, mas prometo-te que hei-de aprender a abrir garrafas de vinho como deve ser.
Queria que soubesses que as sirenes tocam sempre mas que não há fogo que queime as memórias que guardo de nós.
Queria que soubesses que continuo a fazer de tudo para perceber que lugar é este.
Bom. À tua beira.
Vou tentar todos os dias. Prometo-te.
Sempre.
Até às estrelas, pai.avô.amor.amigo.
Autora: Cristina Gameiro
Living Place – Animação Turística
ECO Quinta Villa Maria