O crimepensar

Uma Chatice do Caraças

O crimepensar

Não sei bem o que é que Maquiavel tinha na cabeça quando se atreveu a dizer que a “moral é sempre circunstancial”. Não me atrevo sequer a pensar o que é o poderá ter levado a dizer tal coisa.

Já não sei se me atrevo a pensar no que é que nos pode levar a pensar, essa é que é essa. Eu não percebo nada de conflitos internacionais e, ainda menos, de guerras e disputas territoriais. Ou será não são, exata/somente territoriais? Ou será que são territoriais mas por causa de outra coisa qualquer? Ou será que dentro do territorial cabem uma data de “territórios”? Schiu. Isso é capaz de ser pensar e pensar pode não ser muito fixe.

“Não te atrevas” – repito. Me. Vêm-me à lembrança os tempos que passei em “1984”. O crimepensar era uma chatice do caraças, já nesse tempo. Já nesse tempo o “Ministério” não nos dava descanso, trégua, perdão. Lembro-me, também, da Hannah e do esforço enorme que fez para fazer frente aos “Ministérios”, dela.. Um atrevimento enorme, uma ousadia. Pensar até ao fim. Pensar contra a emoção dominante sem com isso trair os nossos compromissos morais para com as vítimas. Para connosco.

“Albarda-se o burro à vontade do dono” – lembro-me. Ou será “a albarda que faz o burro”? Não sei se me atreva a penar nisso. Vai-se a ver e podem ser as duas coisas e de repente não há só uma maneira de as dizer. Seria perigoso dar conta disso. Ás vezes, o mundo pede leituras simplistas. O mundo pede “bom ou mau”, “lado A ou lado B”, “direita ou esquerda”, “preto ou branco”. Outras vezes, o mundo pede que não sejamos simplistas. Pede que não se façam essas leituras. A razão atrapalha a emoção. A emoção não precisa da razão para existir porque isso podia ser uma chatice. Do caraças. Ou é ao contrário? A emoção atrapalha a razão? A razão não precisa da emoção para existir porque isso também seria uma chatice do caraças, não era?

Fique-se pela albarda. Preto e branco. Para não haver dúvidas. “As dúvidas não servem nenhuma ciência”, repetem-nos porque há quem ainda resista a aceitar isso. Somos vigiados por snipers de superioridade moral. Por pessoas abalroadas de certezas e de discernimento à prova de mísseis. Não, Hannah, não podemos pensar. É um atrevimento. Reflectir é um ato irreflectido. Uma afronta. Um desrespeito. O purgatório afinal é aqui, dizem-nos. É aqui, nos tantos “agora-já” que nos põem à frente que se decide quem vai para o céu e quem fica no inferno. Seja lá isso onde-for-que-parece-que-estamos. Não podes ser simplista. Tens que ser simplista. – Não percebes? É uma chatice. Do caraças.

Lembro-me dos livros-lugares em que já estive. Arrependo-me de ter andado por esses sítios. Talvez se não os tivesse frequentado pudesse olhar para isto “como deve ser”. Talvez não soubesse sequer com que é “isto” se parece. Sei onde estou, ainda que algures em 1984, às portas de um admirável mundo. Estou do lado dos que não sabem onde estão nem para onde hão-de ir. Dos que fogem, dos que sofrem. Não tenho dúvidas. Quanto a isso, não. A vida não vem nos livros? O tanas. A História é que parece que não.

No Admirável Mundo Novo, só um Ensaio sobre a Cegueira, NOS permite compreender o Triunfo dos Porcos durante O Caminho da Servidão. Mas para isso era preciso cometer um crimepensar e isso é uma chatice do caraças. Uma chatice quase tão grande como a de ler este texto.

Autora: Cristina Gameiro

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